Rede de Agroecologia do Gualaxo: ressignificação do território pelo atingidos da Barragem de Fundão, Mariana (MG)
Palavras-chave:
Rompimento de barragem; Agricultor familiar; Território; Reparação.Resumo
Apresentação
Waldir Pollack é agricultor, morador do Distrito de Paracatu de Baixo, Mariana (MG). É agricultor agroecológico produtor de hortaliças orgânicas. Foi atingido diretamente pelo rompimento da barragem em 2015. Atualmente teve sua Casa de Mel reparada pela Fundação Renova.
Lucas Scarascia; Vitor Hermeto Coutinho; Gabriel Kruschewsky e Bruna Marcatti são técnicos da Fundação Renova e responsáveis pelo programa de Retomada das Atividades Agropecuárias.
Fundação Renova- Rede de Agroecologia do Gualaxo
Contextualização da experiência
Em 5 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (MG), caracterizado como um desastre socioambiental para o setor de mineração. Foram lançados aproximadamente 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. A massa de rejeito percorreu 55 km no rio Gualaxo do Norte até o rio do Carmo, e outros 22 km até o rio Doce. A massa de rejeitos, composta principalmente por óxido de ferro e sílica impactou comunidades rurais e pesqueiras até o litoral do Espírito Santo, percorrendo 663,2 km de cursos d'água.
Criada em 2016 fruto do acordo entre as empresas mantenedoras da Samarco e órgãos dos governos estaduais (MG e ES) e Federal a Fundação Renova é a entidade responsável pela mobilização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Trata-se de uma organização sem fins lucrativos, resultado de um compromisso jurídico chamado Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). Ele define o escopo da atuação da Fundação Renova, que são os 42 programas que se desdobram nos muitos projetos que estão sendo implementados nos 670 quilômetros de área impactada ao longo do rio Doce e afluentes.
Neste contexto existe o programa de Retomada das Atividades Agropecuárias que é responsável por reparar as propriedades rurais diretamente impactadas pela massa de rejeito.
Quando refletimos sobre o que é reparação nos deparamos com os desafios de ordem social e ambiental, para que a partir de qualquer intervenção não sejam gerados novos impactos, ou mesmo que seja apenas implantadas soluções técnicas que considerem os sujeitos e o território.
Assim a experiência relatada abaixo sobre a construção de uma Rede de Agroecologia na bacia do Rio Gualaxo que teve como ponto máximo “Encontro de Agroecologia do Gualaxo” realizado em abril de 2019 vai de encontro ao princípio norteador das ações de reparação que é: a participação social dos agricultores e agricultoras atingidos.
O objetivo é que a Rede de Agroecologia do Gualaxo crie soluções entre os agricultores e agricultoras que foram atingidos e que estas considerem as especificidades da biodiversidade local e do território.
Para a existência de uma rede de agroecologia é necessário a interação e o engajamento entre os agricultores do território com a população nas cidades; universidades locais; instituições de assistência técnica; cooperativas e associações, além das prefeituras e organizações não governamentais. Quando estes atores se propõem discutirem de forma integrada a agroecologia como ferramenta essencial para o processo de reparação da bacia e dos ecossistemas, conseguimos enxergar um denominador comum que é a transição gradual entre os paradigmas produtivistas convencionais para outros que vão de encontro ao desenvolvimento rural sustentável.
Desenvolvimento da experiência
O rompimento de uma barragem de rejeito de minério ocasiona mudanças na cobertura da terra, alterações hidrológicas e problemas socioeconômicos para as populações atingidas. As mudanças ocorridas no processo de transformação de uma fração do território da bacia do Rio Doce, Rio Gualaxo afluente importante do Doce é decorrente da apropriação do espaço antes ocupado por longas extensões de pastagens, casas e matas ciliares. Em 2015 foi impactado por uma massa de rejeitos de minério. Este fato remonta o conflito de territorialidades, a partir da territorialização não da construção de uma barragem, mas do rompimento da Barragem de Fundão e da desterritorialização das famílias agricultoras e outros sujeitos sociais.
Até o momento muitos têm sido os esforços empregados pela Fundação Renova, governos, universidades e organizações da sociedade civil. Mas nenhum esforço é valido, senão quando o sujeito agricultor e agora atingido o reconheça e participe do processo de reparação.
Com o objetivo de resgatar o significado do território como local de morada e de produção, embora o impacto, foram organizadas em 2018 oficinas de horticultura orgânica realizadas na propriedade agroecológica do Sr. Waldir Pollack (agricultor atingido). Ocorreram seis oficinas ministradas por ele. Durante as oficinas foram compartilhados aprendizados e os desafios de produzir alimentos orgânicos numa região que sempre valorizou prioritariamente o trabalho na mineração e pecuária leiteira. Os participantes destas oficinas foram os agricultoras e agricultores atingidos que haviam manifestado o interesse em conhecer as técnicas de manejo agrícola sem a utilização de agrotóxicos e aqueles que desejavam diversificar a produção nas propriedades.
As oficinas suscitaram dúvidas, como: o que fazer depois de adquirir estes conhecimentos? Como se juntar para fortalecer a produção de alimentos sem uso de agrotóxico? Como reparar as propriedades a “quatro mãos” contemplando o olhar dos agricultores que querem cultivar a terra?
A solução para encontrar estas respostas foi a criação de uma Rede de Agroecologia do Gualaxo entre os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. Partindo-se do conceito de que a “rede é um junção de atores que remete a fluxos, circulações, alianças, deslocamentos, nas quais os envolvidos interferem e sofrem interferências constantes”. A Rede permite a horizontalidade entre os atores o senso de responsabilidade coletiva a partir das discussões e ações que a mesma se propõe. Encontrar os caminhos da reparação aliados a agroecologia é o passo fundamental para a retomada das atividades agropecuárias no território do Gualaxo.
Desafios
- A Rede de Agroecologia do Gualaxo[1] ainda está em construção. O primeiro evento para a consolidação da Rede foi o Encontro de Agroecologia do Gualaxo que contou com a presença de 39 participantes entre agricultores, secretaria de meio ambiente da prefeitura de Mariana, organizações sociais da agricultura familiar (União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária- Unicafes e Organização Cooperativa Agroecologia- OCA) e técnicos da Fundação Renova.
As metodologias utilizadas foram: rodas de conversas temáticas; matriz de priorização de problemas, e “aquário” ou “fishbowll” além da feira de troca de alimentos. Estas metodologias nos proporcionaram integração entre os participantes, difusão entre os diversos “saberes populares “e conhecimento técnico” e definição de responsabilidades.
Temas como solo, água, recursos naturais, escassez de mão de obra no campo e inserção da juventude rural nos espaços de decisão foram abordados durante todo o Encontro e puderam ser elencados por meio das rodas de conversa e nas adaptações que realizamos na Matriz de Priorização de Problemas. Nesta metodologia os problemas foram surgindo, e ao passo que eram priorizados provocamos quem poderia ajudar na busca por soluções.
Um dos desafios que surgiram durante as oficinas de horticultura e que foram explorados no Encontro foi o tema da comercialização dos produtos agrícolas. Os facilitadores deste tema foram a UNICAFES e dois agricultores atingidos que comercializavam hortaliças orgânicas antes do rompimento da barragem e ainda hoje seguem cultivando sem agrotóxicos e comercializando os produtos em feiras locais.
Principais resultados alcançados
Os principais desafio encontrados pelos agricultores foram a escassez de mão de obra e as dificuldades em comercialização do produto agropecuário.
É comum o movimento de jovens do campo para cidades como Ponte Nova (MG) e Mariana (MG). Os jovens desta região de Minas historicamente foram formados para venderem sua força de trabalho para as mineradoras. No entanto há de se romper com essa ideologia e valorizar o trabalhador rural como estratégia de manutenção dos jovens no campo. Assim como há a necessidade de fortalecer as escolas do campo, criar opções de renda e lazer que permita o jovem a se integrar ao território.
Os participantes apontaram alguns caminhos como: a manutenção das escolas nas comunidades rurais; a criação de agroindústrias que beneficiem o leite e outros produtos agrícolas; e formas de lazer e comunicação que permita a inclusão digital destes jovens, como o sinal de internet 4G.
Os jovens que participaram do Encontro e que estudam em uma Escola Família Agrícola da região pontuaram sobre a importância de criarmos estratégia que mobilizem a juventude para a recuperação da Bacia do Rio Doce e que estes jovens sejam integrados nas cadeias produtivas no meio rural e urbano (laticínios e agroindústrias).
As dificuldades na comercialização dos produtos agropecuários poderiam ser minimizadas se houvesse acompanhamento técnico que orientasse sobre técnicas de manejo que demandasse menos esforço laboral, redução dos custo de investimento assistência e padronização da produção para ganho de escala e atendimento as exigências do mercado consumidor.
Estes temas são comuns na maior parte das comunidades rurais do país e entre os agricultores familiares. Não seria diferente para as comunidades rurais da bacia do Gualaxo que se propuseram a construir esta Rede.
A novidade é que quando propusemos a construir coletivamente esta Rede em torno da reparação do território estamos ressignificando a existência do agricultor que, embora na condição de atingido, persiste em permanecer no território, em ocupar cada espaço de terra, em produzir produtos saudáveis para sua família, em gerar vida e em fincar raízes cada vez mais profundas naqueles locais cujos cientistas e técnicos só acreditavam na lama que viam. Estes agricultores conseguiram compreender o poder da resiliência da natureza, da biodiversidade que brotava de cada lágrima caída ou gota de suor. Eles não duvidam de que o rio haverá de ser Doce novamente. É preciso acreditar!
Disseminação da experiência
A Rede de Agroecologia do Gualaxo tende a se disserminar por toda a bacia do rio Doce. Sendo que para cada local impactado esta experiência merece ser disseminada para as regiões do Médio e Baixo Rio Doce, até a Foz. A agroecologia é um processo animador e revolucionário do ponto de vista da organização social e transformação das propriedades rurais em espaços de preservação da cultura popular e das florestas.
[1] Rio Gualaxo um subafluente do Rio Doce. Foi impactado pelo rompimento da barragem de Fundão em 2015.