Pastoreio Racional Voisin como “pano de fundo” para a produção agroecológica de leite e a viabilização da sucessão familiar: O caso da familia Santini

Autores/as

  • Ricardo Lopes Machado Médico Veterinário, Extensionista Rural, EMATER/RS E.M, Santa Maria/RS-Brasil
  • Tatiana Aparecida Balem Eng. Agrônoma, Mestre e Dra. em Extensão Rural, Professora EBTT IFFarroupilha, Campus Júlio de Castilhos- Júlio de Castilhos/RS-Brasil
  • Bruno Santini Agricultor, Santa Maria/RS-Brasil

Palabras clave:

relato de experiência

Resumen

Local e caracterização da experiência: O presente relato de experiência discute a transição da atividade leiteira da família Santini, ou seja, a mudança do sistema convencional para o sistema de base ecológica, onde o Pastoreio Racional Voisin (PRV) é a ferramenta de fundo. A família tem tradição na atividade leiteira há quatro gerações no município de Santa Maria/RS-Brasil, como orgulhosamente afirma um dos membros. O filho Bruno Santini, de 29 anos, representa a quarta geração de leiteiros da família que começou vendendo leite direto à comunidade ainda na década de 1930. Nos anos 80, seu pai Eugênio Santini, juntamente com sua mãe Elizabeth de Pelegrini Santini e seu tio Calisto Santini, migraram da região periférica da cidade e foram mais para o interior do município, no distrito de Pains. Segundo seu Eugênio, “fizeram a contramão da história”, ou seja, enquanto muitos nessa época estavam indo para a cidade, inclusive os seus irmãos, eles saíram da cidade e foram mais para o interior, pois com a expansão da zona urbana a propriedade estava praticamente dentro do período urbano.

A experiência com o PRV começou em 2011 e está em processo de construção até os dias atuais, visto que a propriedade é uma unidade de Referência e o trabalho de extensão é um processo contínuo. A ação extensionista visa a transformação da propriedade com um todo, não somente o sistema produtivo de forma pontual.

 

Objetivo: Demonstrar a potencialidade do sistema de produção de leite de base ecológica, assim como do PRV, como uma ferramenta transformadora da realidade do meio rural.

 

Desenvolvimento: Até o ano de 2010, nos 40 ha úteis da propriedade, a atividade leiteira era desenvolvida com sistema convencional de produção de leite, com pastoreio extensivo em campo nativo, pastagens anuais de verão (milheto e sorgo forrageiro) e no inverno (aveia e azevém). Os plantios eram realizados com revolvimento e degradação do solo, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Além disso, havia o plantio de mandioca, cana de açúcar e milho para silagem. Esse sistema alimentar era de alto custo e intensivo em mão de obra.  Como havia insuficiência na oferta de pastagens, grande parte da alimentação era feita no cocho, com alto percentual de concentrado. Além disso, boa parte da ordenha era realizada de forma manual, pois a ordenhadeira mecânica existente era no sistema balde ao pé e de baixo rendimento, necessitando de complementação de ordenha manual. O rebanho era composto por 30 animais em lactação. O sistema se traduzia em trabalho penoso, custo de produção alto, baixa produtividade por área e renda aquém do esperado. Nesse período, o Bruno, filho mais novo do casal Elizabeth e Eugênio, que estava se formando em um curso técnico, ia ficar na propriedade e seguir se dedicando à bovinocultura de leite. No entanto, insatisfeito com os índices alcançados e com a penosidade do trabalho, buscou auxílio para melhorar o sistema de produção e isso coincidiu com o início do Programa Municipal de incentivo a atividade leiteira o PROLEITE – SM, sendo que o acompanhamento técnico do programa começou a ser feito pelo extensionista, Méd. Veterinário Ricardo Lopes Machado, do escritório municipal da EMATER/RS de Santa Maria, que foi designado para o município com este fim.

Após a família participar de uma conversa no salão de sua comunidade em que o extensionista explanou sobre produção de leite à pasto em sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV), perceberam que esse seria o caminho para fazer as mudanças incentivadas e almejadas pelo Bruno. Após essa conversa inicial na comunidade, foi realizada uma Viagem Técnica onde o Bruno e o pai Eugênio, juntamente com o extensionista e outros agricultores foram até o município de Agudo/RS, visualizar propriedades com projetos de PRV consolidados. Após esse momento formativo, em 2011, a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) juntamente com a família, elaborou e executou um projeto de PRV em 13,8 ha da propriedade, perfazendo 40 piquetes, bem como elaborou um processo de perenização das áreas de pastagem de verão, utilizando as espécies Tifton e Aruana. Desde a perenização das pastagens nas áreas, que começou em 2011 e foi sendo ampliado, o solo não é mais revolvido e mesmo no inverno as forrageiras (aveia e azevém) são sobressemeadas no pasto perene diversificado de verão (campo nativo, tifton, aruana, capim elefante anão variedade Kurumi, missioneira gigante). A adubação é predominantemente orgânica, sendo que em alguns anos foi comprado adubo orgânico compostado. Também foi adquirido um espalhador de adubo líquido, que espalha o resíduo da esterqueira da sala de ordenha nas pastagens. A família segue trabalhando com silagem de milho, produzida em 10 ha.

Em 2011 eram 30 vacas em lactação de um total de 38 e em 2017 eram 42 em lactação de uma total de 50 vacas, a perspectiva é ampliar para 50 vacas em lactação. Com os resultados iniciais de aumento de produção e produtividade dos animais e diminuição e equilíbrio do custo de produção, a família sentiu-se segura para investir na atividade leiteira, dessa forma acessaram recursos de crédito investimento do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que somados aos recursos crescentes da atividade (lucro líquido), impactaram em mudanças significativas no sistema de produção. Foi construída uma sala de ordenha nova, com ordenha canalizada e adquirido várias máquinas e implementos (dois tratores, resfriador a granel, tanque pulverizador de esterco líquido, ensiladeira) que facilitam o trabalho diário da família. Está em construção um galpão de alimentação para fornecer o complemento alimentar de silagem e ração com capacidade de comportar 80 animais.

Anteriormente a ordenha era manual e parte mecanizada, envolvia 3 pessoas que demoravam 2,5 horas para executar cada seção de ordenha em 30 vacas. Atualmente, um ordenhador desenvolve a tarefa em 1 hora ordenhando até 50 animais. Outro elemento importante é que com a mudança do sistema, e diminuição da demanda de mão de obra, a família pode fazer uma escala, onde a cada fim de semana um dos três trabalhadores tira folga. Outra mudança é que hoje os membros da família conseguem tirar férias.

Nos 40 ha explorados, os dados médios de 2017 (Tabela 01) indicam que as 42 vacas da raça holandesa produziram em média 22 litros diários, sendo que a meta para 2018 é a produção diária média de 1.000 litros e ampliação da divisão da área em mais 9 ha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tabela 1. Evolução dos índices produtivos e de renda da Família Santini.

 

Ano

Produção total leite/ano

Produção total leite/mês

Renda mensal líquida*

Custo de produção total (%)

Renda líquida/ha/ano*

2010

159.400

13.283

R$ 8.210,00

50 %

R$ 2.463,00

2011

164.189

13.682

R$ 7.112,00

56 %

R$ 2.133,00

2012

201.817

16.818

R$ 8.082,00

55 %

R$ 2.425,00

2013

212.973

17.747

R$ 8.832,00

59 %

R$ 2.650,00

2014

250.000

20.800

R$ 12.312,00

50 %

R$ 3.693,00

2015

294.000

24.500

R$ 14.287,00

53 %

R$ 4.286,00

2016

320.297

26.691

R$ 20.439,00

48 %

R$ 6.132,00

2017

336.745

28.062

R$  16.210,00

52%

R$ 4.863,00

**2018

365.000

30.000

R$ 17.500,00

50%

R$ 5.250,00

* Correção dos preços realizada pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços- Disponibilidade Interna), tendo o mês de Janeiro como referência.

**Projeção para o ano de 2018

 

Percebe-se que a renda líquida/ha e a renda líquida mensal obtiveram um aumento real de 52, 93%.  Os custos de produção tendem a diminuir no sistema, no entanto nos anos 2011 a 2013, os primeiros anos com o sistema de PRV implantado os custos aumentaram, isso se deve ao uso de silagem e ao alto investimento em maquinários na propriedade. Com o sistema de base ecológica o custo de produção tende a diminuir, porque: 1- com o PRV a pastagem deixa na área uma quantidade significativa de matéria seca, pois quando sobra pastagem utiliza-se a roçada para favorecer um rebrote homogêneo, o resíduo das roçadas funciona como adubação orgânica; 2- com o PRV os animais ficam em média um dia nos piquetes, o esterco e a urina voltam para a pastagem na forma de adubação, além disso, os agricultores substituíram a  adubação química por adubação orgânica; 3- a rotação dos animais nos piquetes diminui sensivelmente os problemas de enfermidades e infestações parasitárias no rebanho, além disso utiliza-se a terapêutica da homeopatia, mais eficiente e também de menor custo que a terapêutica alopática; 4- o sistema proporciona um aumento significativo de produtividade por ha e o custo de produção tende a permanecer estável.

 

Dificuldades: Um dos desafios da família Santini e de outras famílias que desenvolvem o sistema é resistir ao assédio de vendedores de insumos diversos. Por isso os agricultores precisam estar muito apropriados dos conhecimentos que perpassam pelo sistema de produção de leite de base ecológica, precisam saber exatamente o que fazem e porque fazem determinados manejos, para que o sistema se perpetue.

 

Principais resultados: O PRV é mais que uma questão tecnológica, é pano de fundo para a mudança técnico, produtiva e social de famílias envolvidas com a atividade leiteira. A propriedade tem se tornado uma referência em produção de leite em bases ecológicas, com produção à base de pasto em sistema de PRV, manejo ecológico do solo e do agroecossistema, sistema silvipastoril e respeito ao bem estar animal com o uso de homeopatia para o tratamento e prevenção de enfermidades. Da mesma forma é uma prova da possibilidade da reprodução social dos agricultores através da sucessão rural e geração de trabalho e renda em bases sustentáveis. Além disso, o sistema desenvolvido demonstra a potencialidade do PRV para a manutenção das famílias na atividade leiteira.

Publicado

2019-02-07